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Apropriação indébita: entenda o seu conceito, quais os tipos e penas aplicáveis

Atualizado em 29 de agosto de 23 | Geral  por

Bianca Nascimento Lara Campos

O delito de apropriação indébita encontra definição no artigo 168 do Código Penal Brasileiro e se materializa quando ocorre a apropriação indevida de um bem móvel pertencente a outrem, sem o devido consentimento do proprietário.

O infrator obtém o bem por meio de empréstimo ou se aproveita de uma relação de confiança, e posteriormente passa a se comportar como se fosse o legítimo dono do mesmo.

Assim, por suas características, é um delito comum na rotina empresarial, devendo ser conhecido para a criação de estratégias de redução de riscos.

Um caso recente que ganhou bastante atenção midiática envolve a aluna de medicina da USP que é acusada de ter se apropriado de R$ 927 mil reais que deveriam ser usados na formatura de sua turma. Ela foi indiciada por 9 delitos de apropriação indébita, mas o Ministério Público entende que seria o caso de denunciar a infratora por estelionato.

Isso deixa claro que a tipificação dos crimes patrimoniais demanda interpretação do caso concreto. Para auxiliar na discussão desse e outros fatos, separamos a seguir as principais informações sobre o crime de apropriação indébita a seguir, confira!

Conceito de apropriação indébita

Apropriação indébita significa se apropriar de algum bem sem ter direito para tanto. Apropriar, por sua vez, quer dizer tomar algo para si, como se fosse proprietário.

Um elemento muito importante da apropriação indébita é como esses bens chegaram à posse do infrator: para que seja apropriação indébita, a posse deve ter sido cedida de forma justificada ou acidental. Assim, a pessoa deve estar em posse de algo que é seu por um motivo inicialmente justificado, para depois decidir que vai se apropriar do que recebeu.

Os motivos para alguém ter consigo algo do qual não é proprietário são múltiplos. Alguns exemplos de quando isso pode acontecer:

  • Numa relação trabalhista, o empregado recebe em comodato bens da empresa para efetuar sua atividade, como automóveis, computadores, câmera fotográfica, dentre outros;
  • Na gestão de uma empresa, alguém ostenta poder de administração financeira, acessando livremente a conta corrente, caixa, investimentos e patrimônio empresarial;
  • A empregadora, em razão de imposição legal, é responsável por fazer a retenção dos tributos da folha de pagamento, devendo fazer o repasse ao Fisco.

A apropriação indébita se consuma quando o agente se apropria do bem, ou seja, passa a agir como proprietário, usando, vendendo ou se recusando a devolvê-lo. Na forma propriamente dita da apropriação, é possível haver tentativa. No caso de apropriação indébita por recusa de devolução, ela se consuma com a simples recusa e não existe tentativa.

Essa situação está sujeita ao processamento por meio de ação penal pública incondicionada. Isso quer dizer que cabe ao Ministério Público (MP) a titularidade da ação, independentemente de representação da vítima, bastando a ciência da ocorrência para o prosseguimento da ação.

Tipos de apropriação indébita

A apropriação indébita pode ser classificada em alguns tipos, a saber:

Apropriação indébita propriamente dita

O crime de apropriação indébita propriamente dita ocorre quando alguém passa a agir como proprietário de um bem que recebeu em confiança.

Em outras palavras, ao invés de devolver o bem ao proprietário legítimo, a pessoa age de maneira contrária à confiança depositada nela, passando a agir como se fosse o dono, seja gastando os recursos associados ao bem ou até mesmo realizando sua venda.

Essa atitude configura o crime de apropriação indébita, previsto no “caput” do artigo 168 do Código Penal Brasileiro.

Apropriação indébita por negativa de devolução

Acontece quando alguém inicialmente recebe um bem com a intenção de devolvê-lo ao proprietário após um período determinado ou após o cumprimento de uma finalidade específica.

Entretanto, ao ser requisitada a devolução pelo proprietário, o indivíduo se recusa a fazê-lo, demonstrando sua intenção de se apropriar indevidamente do bem.

Isso se enquadra como apropriação indébita, uma vez que o bem deveria ser devolvido, mas o infrator nega essa restituição.

Apropriação indébita previdenciária

Prevista no artigo 168-A do Código Penal, ocorre quando o responsável por fazer o repasse das contribuições previdenciárias, embora tenha feito a retenção em folha de pagamento do funcionário, não realiza o recolhimento ao INSS.

Neste caso, a punibilidade pode ser extinta se o agente, espontaneamente, declara o seu ato e faz o pagamento das contribuições previdenciárias devidas, bem como cumpre as obrigações acessórias e informa a Previdência Social, antes do início da ação fiscal, conforme disposto no parágrafo segundo do artigo retromencionado.

Há ainda a possibilidade de ser aplicado o chamado princípio da insignificância, conforme jurisprudência predominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ), quando os valores devidos pela empresa a título de contribuições sociais não ultrapassarem o montante de R$ 10.000,00.

Uma vez aplicado o referido princípio, também conhecido como princípio da bagatela, não haverá a punição de uma conduta que, embora formalmente se enquadre como crime, é considerada socialmente irrelevante devido à sua mínima lesividade. Em outras palavras, o sistema jurídico não deve gastar recursos e esforços em punir atos que causam danos muito pequenos ou insignificantes.

Desta forma, quando o princípio da insignificância é aplicado em um caso concreto, isso resulta na exclusão da tipicidade da conduta, ou seja, a ação do agente deixa de ser considerada crime devido à ausência de relevância penal.

Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza

Previsto no “caput” do artigo 160 do Código Penal, ocorre quando a causa de um bem chegar à pessoa é um erro (uma transferência incorreta no banco, por exemplo), fortuito (um animal que pula a cerca) ou evento natural (a correnteza de um rio que traz um barco para a propriedade), por exemplo.

Desta forma, mesmo nessas circunstâncias, a lei não permite apropriar-se indevidamente do bem, pois ele ainda pertence ao seu legítimo proprietário.

Apropriação de tesouro

O crime de apropriação indébita de tesouro está previsto no inciso I do artigo 169 do Código Penal, o qual determina que quem encontra tesouro em prédio alheio não pode se apropriar do todo ou da parte que cabe ao proprietário do imóvel.

Esse tipo de situação é incomum na prática e difícil de caracterizar pois não há definição clara do conceito de tesouro na legislação penal brasileira. No entanto, em termos conceituais é preciso entender que se uma pessoa encontra um tesouro, por acaso, ou seja, sem a intenção de procurar por ele, não poderá se apropriar deste bem. 

Assim, a pessoa que fez a descoberta deve reportar o achado às autoridades competentes e seguir os procedimentos legais para que seja feita a destinação adequada do tesouro.

Apropriação de coisa achada

Sabe aquela conversa de que achado não é roubado? Verdade, porque o crime, neste caso, é apropriação indébita. Sempre que algo for encontrado e for possível localizar o dono ou comunicar às autoridades, para que elas o encontrem, não o fazer é apropriação indébita.

Em outras palavras, diferentemente do ditado popular, a lei estabelece que quando alguém encontra um objeto, deve tomar medidas para identificar o proprietário e devolvê-lo ou comunicar a autoridade competente sobre a descoberta.

Não tomar essas ações constitui apropriação indébita, uma vez que a lei visa a proteger os direitos do verdadeiro dono do objeto encontrado. Portanto, o achado não é automaticamente considerado propriedade do descobridor, como muitos acreditam. Este tipo de apropriação indébita está previsto no inciso II do artigo 169 do Código Penal Brasileiro.

Penas aplicáveis para a apropriação indébita

As penas variam de acordo com o tipo, com pena de um a quatro anos e multa. Pode haver aumento da pena, de até um terço, se o infrator ostenta alguma característica especial de confiança (depositários, tutores, curadores, síndicos, profissionais, dentre outros). 

A apropriação indébita previdenciária tem uma pena mais pesada, de dois a cinco anos de reclusão e multa. A punibilidade poderá ser considerada extinta se o infrator confessar o delito e regularizar a situação antes do início das medidas fiscais de cobrança.

Já nos casos de apropriação indébita de coisas havidas por erro, fortuito, força da natureza, localização de tesouro ou coisa achada tem pena mais branda. Nestes casos, é de detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Assim, estamos diante de crimes de menor potencial ofensivo, processados e julgados perante o Juizado Especial Criminal (JECRIM). 

Diferença entre apropriação indébita e furto ou roubo

Na linguagem coloquial, qualquer crime patrimonial normalmente é chamado de roubo. Por isso, é comum ouvir dizer que alguém roubou dinheiro na empresa quando, na verdade, o mais provável é que se trate de uma apropriação indébita.

O que difere a apropriação indébita do furto ou do roubo é que a vontade de se tornar o proprietário de algo que não é seu acontece depois de receber a posse desse bem de forma legítima.

Assim, é um crime de oportunidade, que depende desse recebimento para acontecer. No roubo e no furto, a ação de pegar a coisa para si é indevida desde o começo, exigindo um ato ilícito do infrator para que o bem chegue a sua posse.

Diferença entre apropriação indébita e estelionato

O estelionato e a apropriação indébita são um pouco mais difíceis de diferenciar, pois dependem de saber quando a intenção criminosa se iniciou. 

Se a pessoa assumiu a guarda, posse ou gestão dos bens com a intenção, desde o começo, de cometer uma fraude e usá-los para vantagens pessoais, abusando da confiança alheia, ardilosamente, como um meio de chegar a esse fim (de ter uma vantagem ilícita), ela comete estelionato.

No entanto, se a pessoa começa sua atividade de cuidar, gerir ou guardar os bens alheios de forma legítima e, no meio do caminho, se desvirtua e passa à apropriação, o crime é de apropriação indébita.

A pena do estelionato é um pouco maior que a da apropriação indébita, de um a cinco anos de reclusão e multa. A maioria dos casos de estelionato, em razão da Lei 13.964/2019, é de ação pública condicionada à representação da vítima para que o MP esteja autorizado a seguir com o processo.

Exemplos de apropriação indébita

Para facilitar a visualização do crime de apropriação indébita na prática, vamos a alguns exemplos de quando ele restou configurado:

Como prevenir apropriação indébita na empresa?

A ocorrência de crimes patrimoniais nas empresas é comum, especialmente em cargos de confiança ou gestão, e nos casos em que bens da empresa são entregues ao funcionário para exercer suas atividades.

Algumas estratégias de mitigação de riscos podem ser adotadas nesses casos, tais como:

  • Fazer o pré-onboarding e background check nos processos de recrutamento e seleção, para avaliar o histórico dos candidatos e fazer a verificação de identidade;
  • Ao entregar bens da empresa em comodato, solicitar assinatura de termo de responsabilidade, com todas as regras inerentes ao uso do bem, bem como a data de devolução e/ou vistoria do bem para renovação do compromisso;
  • Monitorar relacionamentos em que há recebíveis, como nos contratos terceirizados de advogados para prestação de serviços jurídicos;
  • Conferir a retenção e o recolhimento de tributos, especialmente previdenciários, para evitar a ocorrência de apropriação indébita previdenciária;
  • Realizar monitoramento das transações financeiras da empresa, para detectar operações suspeitas, inconsistências no caixa e outros eventos que indiquem a possibilidade de apropriação indébita de valores na gestão financeira.

A apropriação indébita é um crime patrimonial que ocorre em relações de confiança no cotidiano. Por isso mesmo, sua configuração nas empresas é recorrente.

Adotar boas práticas de compliance é fundamental para a mitigação de riscos patrimoniais causados por ação de terceiros.

Como provar que houve apropriação indébita?

Para demonstrar a ocorrência da apropriação indébita em conformidade com a legislação vigente no Brasil, é necessário apresentar elementos probatórios que respaldem a acusação.

Isso envolve a coleta e a apresentação de provas que indiquem claramente o ato de apoderamento de um bem móvel alheio, sem a autorização do proprietário, e a subsequente atuação do infrator como se fosse o detentor legítimo do bem.

As provas a serem consideradas podem ser:

Documentação

Qualquer documento que evidencie a relação entre o proprietário e o acusado, como contratos, notas fiscais, comprovantes de compra e venda, registros de empréstimo, entre outros.

Testemunhos

Depoimentos de pessoas que tenham presenciado a ação do infrator ou que possam atestar a confiança ou o empréstimo que originou a posse do bem.

Comunicações

Mensagens de texto, e-mails, correspondências ou qualquer forma de comunicação que demonstre a intenção do infrator de apoderar-se indevidamente do bem.

Registro de transações

Registros bancários, extratos financeiros ou quaisquer outras transações que indiquem o movimento do bem em questão.

Uso e posse

Indícios que demonstrem o uso contínuo e a posse do bem pelo infrator após o término do período de confiança ou empréstimo.

Perícia

Avaliações técnicas ou perícias que comprovem a vinculação do bem ao proprietário e a sua subsequente posse pelo acusado.

Circunstâncias

Elementos que contextualizem a situação, como registros de conversas, câmeras de segurança, comprovantes de acesso a locais onde o bem se encontrava, entre outros.

A comprovação da apropriação indébita envolve a apresentação sólida e coerente desses elementos probatórios em conformidade com os dispositivos legais.

O conjunto dessas provas deve sustentar a acusação de que o infrator se apropriou, sem autorização, da posse de um bem móvel pertencente a terceiros, agindo posteriormente como proprietário legítimo, conforme estabelecido no artigo 168 do Código Penal Brasileiro.

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Bianca Nascimento Lara Campos é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Filosofia e Teoria do Direito na PUC-Minas. Advogada atuante em São Paulo, com foco em Direito Civil, Empresarial e Compliance, bem como atuação nos tribunais estaduais e superiores.