Compliance e o fator humano: entenda a associação entre eles
Atualizado em 20 de junho de 23 | Geral por
Ao discutir compliance, muitas vezes esquecemos de um elemento fundamental: o fator humano. Ele pode ser o divisor de águas para quem deseja atingir altos níveis de compliance. Não importa o quão bem-feita seja uma política se ela ficar apenas na teoria, sem dar conta do que ocorre na prática. Nesse sentido, compreender os desafios e comportamentos que levam ao desrespeito ao programa é uma estratégia importante para criar um ambiente que favoreça a conformidade.
Em um ambiente empresarial cada vez mais complexo e regulamentado, compreender a importância da associação entre compliance e o fator humano é fundamental para aumentar a probabilidade de êxito de um programa de compliance. Vamos adentrar nessa discussão e explorar como o comportamento das pessoas pode ser um desafio ou se tornar um fator-chave de uma cultura de compliance sólida e eficaz.
Quer entender mais sobre o relacionamento entre compliance e o fator humano? Veja a seguir uma exploração dos principais desafios e estratégias para fortalecer essa relação!
Qual o impacto do fator humano no compliance?
O fator humano desempenha um papel essencial no avanço do compliance e na criação de uma cultura organizacional positiva, o que, por sua vez, resulta na sustentabilidade de longo prazo das políticas de compliance. Por isso, podemos dizer que o impacto do fator humano no compliance é significativo.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desenvolveu um manual intitulado “Reducing the risk of policy failure: challenges for regulatory compliance”. O documento trata dos desafios para o compliance regulatório, especialmente focado em reduzir os riscos de falha de uma política regulatória. Dentre outros temas explorados, fala do impacto que a falha na adesão a uma regulamentação causa, para além do objetivo principal da regulamentação. Os impactos negativos destacados pelo manual são:
- Aumento de custos operacionais para quem decidiu aderir às regulações, sem que esses indivíduos recebam qualquer benefício por seu comprometimento com a conformidade;
- Ampliação da impressão de que o ambiente regulatório não é sério e confiável, aumentando a certeza sobre a impunidade daqueles que desrespeitam as normas vigentes;
- Redução da percepção de poder das normas regulatórias, gerando um ciclo de desconfiança nos entes reguladores e redução da valorização da cultura de compliance.
Quais comportamentos humanos podem levar à não-conformidade?
O livro da OCDE mencionado na seção anterior também destaca as três condições necessárias para que as empresas e indivíduos obedeçam às regulações:
- O grupo-alvo da regulamentação deve conhecer e compreender as regras;
- O grupo-alvo da regulamentação deve desejar aderir às regulamentações, seja por obter vantagem econômica, porque o compliance impacta na reputação das pessoas ou empresas ou porque há pressão dos entes fiscalizadores para o cumprimento das regras;
- O grupo-alvo é capaz de cumprir a regulamentação, ou seja, possui os recursos necessários para se adaptar às regras.
O manual destaca oito causas para a não-conformidade, sob o ponto de vista dos alvos das políticas regulatórias:
- Incapacidade de compreender as normas reguladoras;
- Falta de confiança no sistema regulatório (no Brasil, essa falta de confiança ainda é comum e pode ser exemplificada pelas frases “Essa lei não colou” ou então “Desrespeitar essa lei não pega nada”);
- Injustiça regulatória, com procedimentos extremamente rígidos e/ou complexos, que dificultam a obediência às normas (um bom exemplo desse problema é o sistema tributário brasileiro);
- Falha na capacidade de dissuasão, ou seja, convencimento de que o descumprimento das normas ocasionará punições indesejadas;
- Inépcia dos agentes regulados, ou seja, falta de qualificação, conhecimento e capacidade profissional de lidar com as regulamentações;
- Falhas da sociedade civil, decorrentes de um colapso civilizatório, com descrença no Poder Público, perda de identidade cultural e coesão social, somada à escalada de um ambiente de descumprimento generalizado de normas.
Como podemos visualizar claramente da leitura dos tópicos acima, a questão subjetiva e o fator humano são os condutores para o sucesso das políticas de compliance. O aspecto humano, cultural e o contexto social têm grande influência no interesse dos indivíduos em se manter em conformidade.
Como fomentar uma cultura de compliance que incorpore o fator humano?
Pensando no que está dentro do controle de uma empresa, é possível identificar vários pontos relevantes para incorporar o fator humano na condução do programa de compliance. Compreender e valorizar o fator humano é essencial para estabelecer e manter práticas de compliance eficazes, garantindo a conformidade, protegendo a reputação empresarial e fomentando um ambiente com boas práticas de integridade.
Veja a seguir os principais aspectos do fator humano que ajudam a fomentar a cultura de compliance.
Proporcione oportunidades de conscientização
Um dos principais impactos do fator humano no compliance é a conscientização sobre a importância de obedecer ao programa de compliance. Para que as normas sejam cumpridas, é essencial que todos os membros da empresa compreendam a importância do compliance e o impacto de suas ações no ambiente de trabalho. Funcionários conscientes são mais propensos a agir de acordo com as diretrizes estabelecidas e a identificar e relatar possíveis violações.
Promova o engajamento de todos os funcionários
O engajamento dos funcionários é um elemento vital para o sucesso do compliance e a construção de uma cultura de conformidade sólida. Ao promover um ambiente de trabalho onde os funcionários estejam engajados, valorizados e incentivados a participar ativamente do processo de compliance, a organização cria um senso de responsabilidade coletiva e fortalece sua capacidade de cumprir as normas e regulamentações aplicáveis.
Ofereça capacitação sobre responsabilidade individual e coletiva
O impacto do fator humano no compliance também se manifesta na responsabilidade individual e coletiva dos funcionários. Cada indivíduo deve reconhecer sua responsabilidade em cumprir as normas e reportar possíveis violações. A conscientização de que suas ações têm consequências não apenas para a empresa, mas também para sua própria reputação e carreira, pode motivar os funcionários a agirem de forma ética e em conformidade com as regulamentações.
Invista na liderança ética
A influência dos líderes é um aspecto crítico no impacto do fator humano no compliance. Os líderes desempenham um papel fundamental na definição do tom ético e no estabelecimento de expectativas claras em relação ao cumprimento das normas. Quando os líderes demonstram comportamentos éticos e dão o exemplo, os funcionários são mais propensos a seguir essas práticas. Por outro lado, uma liderança deficiente ou antiética pode minar os esforços de compliance e comprometer a cultura organizacional.
Oriente sobre a identificação de riscos
O fator humano é essencial na identificação de riscos e violações de compliance. Os funcionários que estão engajados e conscientes são mais propensos a reconhecer situações que possam representar riscos de não conformidade ou comportamentos antiéticos. Ao relatar essas questões, eles contribuem para a mitigação de riscos e permitem que a empresa planeje as medidas corretivas apropriadas.
Os funcionários desempenham um papel vital na identificação e mitigação de riscos de não conformidade. Quando estão engajados, eles são mais propensos a reconhecer situações que podem levar a violações de compliance e a relatar esses riscos aos canais apropriados. Ao encorajar e valorizar a participação ativa dos funcionários na identificação e mitigação de riscos, o negócio fortalece sua capacidade de se antecipar a problemas potenciais e tomar medidas corretivas eficazes.
Pratique a comunicação transparente e aberta
Uma comunicação transparente e aberta é um elemento-chave para o engajamento dos funcionários no compliance. É essencial que os canais de comunicação estejam abertos para que os colaboradores possam fazer perguntas, expressar preocupações e fornecer feedback sobre as políticas e práticas de conformidade. Ao criar um ambiente de comunicação aberto, a empresa incentiva o engajamento dos funcionários e a troca de informações relevantes.
Estabelecer canais seguros e confidenciais para denúncias é fundamental para garantir que os funcionários se sintam confortáveis em relatar violações de compliance. É importante que as organizações demonstrem um compromisso genuíno em tratar as denúncias de forma séria e tomar as medidas adequadas para lidar com elas. Ao proteger os denunciantes e promover uma cultura de denúncia segura, a empresa incentiva a transparência e a responsabilidade.
Se prepare para fazer o monitoramento contínuo
O monitoramento contínuo é essencial para garantir a conformidade em toda a empresa. Isso pode ser feito por meio de auditorias internas, revisões periódicas e avaliações de risco. Além disso, é importante estabelecer métricas e indicadores de desempenho relacionados ao compliance, para que seja possível medir e acompanhar o progresso ao longo do tempo.
Incentive a colaboração
Promover a colaboração e o trabalho em equipe é essencial para o engajamento dos funcionários no compliance. Quando os funcionários são incentivados a compartilhar conhecimentos, experiências e melhores práticas, eles se sentem valorizados e reconhecidos como partes importantes do processo de conformidade. Através da colaboração, a empresa pode aproveitar a expertise coletiva de seus funcionários para enfrentar desafios de compliance de forma mais eficiente.
Crie iniciativas para o reconhecimento e recompensas
Ao reconhecer publicamente os esforços dos funcionários em cumprir as normas e contribuir para uma cultura de compliance, a empresa reforça a importância do engajamento individual e coletivo. Recompensas tangíveis, como incentivos financeiros ou oportunidades de desenvolvimento profissional, também podem ser oferecidas para incentivar e reforçar comportamentos em conformidade.
O compliance e o fator humano são intimamente associados, porque a compreensão da cultura e do comportamento é um aspecto relevante na hora de favorecer a conformidade. Incorporar o fator humano ao programa de compliance é uma forma de tornar a obediência às normas e princípios éticos mais fácil, valorizando o bom comportamento e criando um ambiente em que os membros da empresa valorizam e compreendem o propósito das políticas de integridade.
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Bianca Nascimento Lara Campos é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em Filosofia e Teoria do Direito na PUC-Minas. Advogada atuante em São Paulo, com foco em Direito Civil, Empresarial e Compliance, bem como atuação nos tribunais estaduais e superiores.