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Due diligence: razoabilidade e proporcionalidade

Due diligence: razoabilidade e proporcionalidade

Atualizado em 1 de junho de 20 | Geral  por

Gabriela Guimarães

Segundo o dicionário, razoabilidade é estar em conformidade com a razão, ser racional e moderado, ou seja, atuar sem excessos, dentro do suficiente. Já a proporcionalidade é a qualidade de proporcional, do que possui uma relação idêntica com outra coisa.

Sob a ótica jurídica, o primeiro está ligado à ideia de bom senso e proporcionalidade (daí percebemos a conexão entre os termos), enquanto o segundo à coibição de excessos desarrazoados, por meio da aferição da compatibilidade entre os meios e os fins de determinada atividade.

Amplamente aplicados no direito administrativo, uma vez que se configuram em princípios da Administração Pública, os termos são frequentemente esquecidos ou “negligenciados” na iniciativa privada, principalmente nas atividades de due diligence, que visam o conhecimento de parceiros de negócios ou pessoas (colaboradores e sócios).

Seja em decorrência da falta de conhecimento ou no intuito de “mostrar trabalho”, fato é que a falta de razoabilidade e proporcionalidade geram um gasto desnecessário para a empresa, desviam recursos de tantas outras ações preventivas e recuperativas de compliance, necessárias à preservação dos interesses da empresa e de seus stakeholders, que acabam por desacreditar a área de conformidade.

O resultado, algumas vezes, é a retirada da autonomia e independência do Compliance Officer, ou seu desligamento e delegação das funções para outro departamento que passa a exercê-las de forma secundária, a redução do orçamento da área e, pior, o entendimento de que compliance é desnecessário e oneroso.

Nesse sentido, respostas a algumas perguntas permitirão a compreensão e adequação das rotinas de conhecimento de terceiros, além da definição dos investimentos necessários à atividade (capital humano e financeiro).

Por quê investir em due diligence?

  • Para atendimento de obrigação legal;
  • Para cumprimento de diretriz interna;
  • Para atendimento de obrigação contratual.

Para que investir em due diligence?

  • Para estabelecer uma relação comercial ou de negócios;
  • Para complementar o processo de recrutamento e seleção;
  • Para a verificação da pertinência da continuidade de determinada relação comercial;
  • Para orientar intenção acerca da promoção de determinado colaborador.

Qual o tipo de terceiro pesquisado em due diligence?

  • Fornecedor;
  • Cliente;
  • Consorciado;
  • Donatário;
  • Empregado;
  • Outros.

O terceiro atua ou atuará em nome ou em favor da empresa?

Caso a resposta seja positiva:

  • Há ou haverá interação com agentes públicos?
  • Há ou haverá interação com concorrente da empresa?

Caso a resposta seja negativa:

  • Há ou haverá transferência ou acesso às informações confidenciais e estratégicas da empresa?

As últimas duas perguntas são raramente observadas pelas empresas que tem a due diligence de terceiro integrada às rotinas de compliance.

A primeira objetiva mitigar os riscos de acordos indevidos e eventuais riscos de infração às leis concorrenciais, dentre eles o de corrupção privada previsto nos incisos IX e X do art. 195 da Lei 9.279/96, enquanto a segunda pretende reduzir os riscos de acesso, uso ou mesmo venda de informações sigilosas da empresa e/ ou de quaisquer terceiros relacionados, um cliente, por exemplo (aqui inclui o risco de insider trading e de propriedade intelectual, por exemplo, material de pesquisa, protótipos, dentre outros).

Esclarecidas as perguntas acima, chegamos na fase mais desafiadora do processo de conhecimento de terceiros, qual seja, a definição do escopo de pesquisa. É nessa fase que excessos e desproporcionalidade são observados, a exemplo:

Análise pormenorizada de TODO Quadro Societário, independentemente da distribuição das cotas e do exercício de atividade administrativa ou outro cargo relevante na empresa

Enquanto a atividade é impraticável para as sociedades anônimas com ações em circulação (free float), esta mostra-se infundada para sócios com percentual de cotas irrisório e que não sejam administradores da empresa, exemplo disso são os escritórios de advocacia que, muitas vezes, registram seus colaboradores como “associados”, que é o “sócio sem poderes ou direitos”.

Análise pormenorizada de todas as empresas que a pessoa física detenha participação, independentemente da quantidade de cotas ou exercício de cargo de gestão

Alguns investidores exigem pequena participação no capital da empresa para salvaguardar a “aposta” e/ou “aceleração” do negócio. Nesse sentido, pessoas se veem vinculadas a empresas arroladas em inventários ou que são objeto de litígio, por exemplo, em uma ação de dissolução de sociedade, e não tem qualquer gestão na execução do objeto social ou responsabilidade pela sua administração.

Estudo jurídico da probabilidade de resultado das ações identificadas

A não ser quando a due diligence visa orientar atividade de fusão ou aquisição (M&A), o estudo minucioso, que deve ser realizado por advogado com registro ativo na Ordem dos Advogados do Brasil, mostra-se inócuo, além de dispendioso.

A identificação da natureza das ações, em qual polo se encontra o pesquisado e valores envolvidos, é suficiente para identificar quais ações merecem análise pormenorizada.

Em outros termos, estudo criterioso de uma ação judicial é feito apenas quando identificado determinado aspecto de risco, por exemplo, uma ação de improbidade administrativa quando o pesquisado está no polo passivo.

Pesquisa dos terceiros detentores de relação de terceiro grau com o pesquisado-alvo

A não ser que a diligência integre processo de investigação, a criteriosa análise, por exemplo, de sócios das empresas que sejam sócias daquelas que o pesquisado tenha cotas, pouco ou nada agrega ao processo de conhecimento de terceiros.

A interpretação das informações levantadas é tão difícil quanto a compreensão do vínculo da relação. Diligência extensiva deve ser realizada de acordo com o tipo de terceiro, natureza da relação a ser estabelecida, duração e valor do contrato.

Pesquisa de todo corpo diretivo e gerencial (Top & Middle Management)

A exceção daqueles que estejam diretamente envolvidos na execução do objeto contratado e que, porventura venham a representar a empresa (é o caso da pesquisa do histórico comportamental e reputacional de um determinado advogado de uma grande banca de advocacia), ampliar o trabalho de diligencia para todos os administradores/gestores tornará o processo de due diligence lento e caro.

Essa pesquisa pode ser substituída pelo monitoramento da empresa, o que permitirá ações tempestivas à sua salvaguarda.

Solicitação de balanço patrimonial e outras informações financeiras

Requisito impositivo em processos de Cadastro de Fornecedor de algumas empresas. O pedido (ou exigência) de solicitação de balanço patrimonial pode ser considerado abusivo, uma vez que apenas as empresas de capital aberto estão obrigadas a dar transparência dos seus números.

Nesse sentido, informações financeiras de empresas que não tenham suas ações negociadas no mercado (free float) são tidas como confidenciais e mesmo estratégicas da empresa.

Os serviços de Bureau de Crédito, prestados por empresas como Boa Vista, trazem informações confiáveis acerca da saúde financeira do parceiro e estas informações podem ainda ser complementadas pela emissão de certidões negativas, pesquisa nos tribunais, junto a fornecedores do pesquisado, análise da carteira de clientes e mesmo pela solicitação de carta emitida e assinada pelo contador da empresa em análise.

O exposto, no entanto, não deve ser praticado de forma irrestrita, pois a profundidade da análise do parceiro depende da natureza do serviço a ser prestado, prazo e valor do contrato.

Antes da solicitação, no entanto, é importante compreender a finalidade e proporcionalidade do pedido, também, dos riscos relacionados à recepção e eventual guarda de informações confidenciais de terceiros.

Se abusivo o pedido para fornecedor, imprescindível em processos de M&A: aquisição ou fusão com outra empresa.

Não bastassem os excessos na definição do escopo e amplitude da análise, é muito comum interpretações despropositadas das informações levantadas pela mineração de dados.

Nesse sentido, vale destacar:

  • Dever não é crime, sonegar impostos sim;
  • O judiciário é o caminho legal para a resolução de conflitos, então eventual ação não deve ser prejulgada pelo analista, a não ser quando existente decisão definitiva que deponha contra o pesquisado;
  • Fragilidade financeira nem sempre é decorrente de má gestão ou gestão fraudulenta, então é importante entender, dentre outras coisas, as mudanças no mercado, particularidades do segmento do qual a empresa faz parte ou mesmo o histórico da pessoa (exemplo: empresa de agronegócio que teve seu fluxo de caixa comprometido devido a uma geada ou profissional que se viu obrigado a fazer dívidas durante o período de desemprego ou para subsidiar tratamento de saúde de um ente querido);
  • Para ser demitido, basta estar empregado. Contudo, nem toda demissão decorre de má atuação. A situação pode acontecer em decorrência de caso fortuito e/ou força maior, como é o caso do COVID-19, de mudança na estratégia da empresa, negociação de um novo líder de absorção/contratação do seu time, etc.;
  • Boletim de Ocorrência não é ação criminal, muito menos decisão definitiva de condenação de um potencial autor – são declarações unilaterais feitas pelo “comunicante”, podendo a presunção de verdade ser afastada por prova apta a indicar o contrário. A notícia crime pode ser falsa (denunciação caluniosa) e seu registro feito com o objetivo de pressionar ou amedrontar uma pessoa (situação frequentemente observada em separações judiciais contenciosas e dissoluções societárias);
  • O sócio do sócio não é sócio do pesquisado-alvo, ou seja, em uma relação societária os sócios podem definir os limites de atuação no que diz respeito à empresa, o que inclui, boas práticas concorrenciais e de compliance, mas não podem definir as regras relacionadas a outra sociedade da qual um dos sócios faça parte;
  • Nem toda PEP – Pessoa Politicamente Exposta é criminosa;
  • Empresas jovens são capazes de prestar serviços de qualidade, a exemplo de muitas startups avaliadas em milhões de reais, ou até mesmo, dólares;
  • Relação consanguínea entre sócios da empresa-pesquisada não pode ser demérito para o pesquisado (Segundo pesquisa da PWC, as maiores empresas brasileiras são familiares).

Ponderação é a palavra-chave no processo de due diligence, não apenas para que este agregue valor à empresa, mas também para preservar os recursos da área de compliance, permitindo, inclusive, o treinamento de terceiros sobre a matéria.

Gastos justificáveis, tempo de análise condizente com as necessidades das áreas de negócio, análises assertivas e menos especulativas poderão gerar confiança nas orientações de compliance e, por consequência, maior adesão às suas recomendações.

Afinal, vale lembrar, independentemente do tamanho do relatório, da quantidade de riscos apontados ou recomendação da área de Compliance, que a decisão final quanto à celebração ou continuidade de uma relação comercial, de contratação ou promoção de um profissional, é da área de negócio.

E-book: 10 passos para melhor a gestão de riscos na sua empresa.

 

GABRIELA ALVES GUIMARÃES – Advogada certificada pela SCCE/ USA como CCEP/ I – Certified Compliance and Ethics Professional – International, com dual MBA em Business Administration pela FGV e Ohio University/ USA; Diretora do Instituto Não Aceito Corrupção e sócia da empresa de consultoria FourEthics. É também coordenadora e professora de cursos de Compliance na Católica SC, FIA, Instituto Butantan, LEC e Universidade Cândido Mendes.