Apropriação indébita: entenda o seu conceito, quais os tipos e penas aplicáveis
Atualizado em 17 de outubro de 24 | Geral por
A apropriação indébita é um crime que encontra definição no artigo 168 do Código Penal Brasileiro. Ele ocorre quando há posse indevida de um bem móvel que pertence a outra pessoa. Quem comete o crime obtém o bem por meio de empréstimo ou se aproveita de uma relação de confiança. Posteriormente, ele passa a agir como se fosse o dono do mesmo.
Por se tratar de um crime patrimonial, a apropriação indébita pode ser difícil de ser identificada. Por exemplo, a aluna de medicina da USP, acusada de ter se apropriado de 927 mil reais destinados à formatura de sua turma, foi indiciada por 9 delitos de apropriação indébita. Porém, o Ministério Público entendeu ser o caso de denunciar a infratora por estelionato.
Sendo assim, para auxiliar na discussão desse e outros fatos, preparamos este artigo com as principais informações sobre apropriação indébita. Continue a leitura a seguir!
Conceito de apropriação indébita
Apropriação indébita significa se apropriar de algum bem sem ter direito para tanto. Apropriar, por sua vez, quer dizer tomar algo para si, como se fosse proprietário. Um elemento muito importante da apropriação indébita é como esses bens chegaram à posse do infrator.
Portanto, para ser apropriação indébita, a posse deve ter sido cedida de forma justificada ou acidental. Ou seja, a pessoa deve estar em posse de algo que é seu por um motivo inicialmente justificado, para depois decidir que vai se apropriar do que recebeu.
Nesse sentido, diversos motivos levam alguém a ter consigo algo do qual não é proprietário. Alguns exemplos de quando isso pode acontecer:
- Em uma relação trabalhista, o empregado recebe bens da empresa em comodato, como automóveis, computadores, câmera fotográfica, dentre outros;
- O funcionário do financeiro possui poder de administração financeira, acessando livremente a conta-corrente, caixa, investimentos e patrimônio empresarial;
- A empregadora, em razão de imposição legal, é responsável por fazer a retenção dos tributos da folha de pagamento, devendo fazer o repasse ao Fisco.
Em casos como os exemplos acima, a apropriação indébita se consuma quando o funcionário passa a agir como proprietário do bem, usando, vendendo ou se recusando a devolvê-lo. Na forma propriamente dita da apropriação, é possível haver tentativa. No caso de apropriação indébita por recusa de devolução, ela se consuma com a simples recusa e não existe tentativa.
Essa situação está sujeita ao processamento por meio de ação penal pública incondicionada. Isso quer dizer que cabe ao Ministério Público (MP) a titularidade da ação, independentemente de representação da vítima, bastando a ciência da ocorrência para o prosseguimento da ação.
Tipos de apropriação indébita
A apropriação indébita pode ser classificada em alguns tipos. Confira cada um deles:
- Apropriação indébita propriamente dita: ocorre quando alguém passa a agir como proprietário de um bem que recebeu em confiança. Em outras palavras, ao invés de devolver o bem ao proprietário legítimo, a pessoa age de maneira contrária à confiança depositada nela. Assim, ela passa a agir como se fosse o dono, seja gastando os recursos associados ao bem ou até mesmo realizando sua venda. Essa atitude está prevista no “caput” do artigo 168 do Código Penal Brasileiro;
- Apropriação indébita por negativa de devolução: acontece quando alguém, inicialmente, recebe um bem com a intenção de devolvê-lo ao proprietário. A devolução deveria acontecer após um período determinado ou após o cumprimento de uma finalidade específica. Entretanto, o indivíduo se recusa a devolver o bem, demonstrando sua intenção de se apropriar indevidamente dele. Isso se enquadra como apropriação indébita, uma vez que o bem deveria ser devolvido, mas o infrator nega essa restituição;
- Apropriação indébita previdenciária: prevista no artigo 168-A do Código Penal, ocorre quando o responsável por fazer o repasse das contribuições previdenciárias, embora tenha feito a retenção na folha de pagamento do funcionário, não realiza o recolhimento ao INSS. Neste caso, a punibilidade pode ser extinta em duas situações dispostas no parágrafo segundo do artigo 168-A. Se o agente, espontaneamente, declara o ato e paga as contribuições previdenciárias devidas. Ou, se ele cumpre as obrigações acessórias e informa a Previdência Social, antes do início da ação fiscal;
- Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza: previsto no “caput” do artigo 160 do Código Penal, ocorre quando a causa de um bem chegar à pessoa é um erro (uma transferência incorreta no banco, por exemplo), fortuito (um animal que pula a cerca) ou evento natural (a correnteza de um rio que traz um barco para a propriedade), por exemplo. Mesmo nessas circunstâncias, não é permitido apropriar-se indevidamente do bem, pois ele ainda pertence ao seu legítimo proprietário;
- Apropriação de tesouro: o crime de apropriação indébita de tesouro está previsto no inciso I do artigo 169 do Código Penal. Ele determina que quem encontra tesouro em prédio alheio não pode se apropriar do todo ou da parte que cabe ao proprietário do imóvel. Esse tipo de situação é incomum. Na prática, é difícil de se caracterizar, pois não há definição clara do conceito de tesouro na legislação penal brasileira. No entanto, em termos conceituais, é preciso entender que se uma pessoa encontra um tesouro sem a intenção de procurar por ele, não poderá se apropriar deste bem. Assim, a pessoa que fez a descoberta deve reportar o achado às autoridades competentes e seguir os procedimentos legais para ser feita a destinação adequada do tesouro;
- Apropriação de coisa achada: sabe aquela conversa de que achado não é roubado? Verdade, porque o crime, neste caso, é apropriação indébita. Quando um bem for encontrado e for possível localizar o dono ou comunicar às autoridades, para que elas o encontrem, não o fazer é apropriação indébita. Em outras palavras, diferentemente do ditado popular, a lei estabelece que, quando alguém encontra um objeto, deve tomar medidas para identificar o proprietário e devolvê-lo. Caso não seja possível, deve comunicar à autoridade competente sobre a descoberta. Não tomar essas ações constitui apropriação indébita, uma vez que a lei visa proteger os direitos do(a) verdadeiro dono(a) do objeto encontrado. Este tipo de apropriação indébita está previsto no inciso II do artigo 169 do Código Penal Brasileiro.
Penas aplicadas à apropriação indébita
As penas variam conforme o tipo, com pena de um a quatro anos e multa. Pode haver aumento da pena, de até um terço, se quem comete o crime possui alguma característica especial de confiança, por exemplo, depositários, tutores, curadores, síndicos, profissionais, dentre outros. A apropriação indébita previdenciária tem uma pena mais pesada, de dois a cinco anos de reclusão e multa.
Já nos casos de apropriação indébita de coisas havidas por erro, caso fortuito, força da natureza, localização de tesouro ou coisa achada tem pena mais branda. Nestas situações a pena será de detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Assim, estamos diante de crimes de menor potencial ofensivo, processados e julgados perante o Juizado Especial Criminal (JECRIM).
Diferença entre apropriação indébita, furto e roubo
Na linguagem coloquial, qualquer crime patrimonial é normalmente chamado de roubo. Por isso, é comum ouvir dizer que alguém roubou dinheiro da empresa quando, na verdade, o provável é que se trate de uma apropriação indébita.
Dessa forma, é importante conhecer as diferenças. O crime de roubo acontece quando alguém, para subtrair algo de outra pessoa, se utiliza de violência ou grave ameaça. Já o furto, acontece quando um sujeito “pega” algo de outra pessoa para si sem se utilizar de violência ou grave ameaça.
Em contrapartida, a apropriação indébita ocorre após o recebimento do bem de forma legítima. Ou seja, é um crime de oportunidade, que depende desse recebimento para acontecer. No roubo e no furto, a ação de pegar a coisa para si é indevida desde o começo, exigindo um ato ilícito do infrator para que o bem chegue a sua posse.
Diferença entre apropriação indébita e estelionato
O estelionato e a apropriação indébita são um pouco mais difíceis de diferenciar, pois dependem de saber quando a intenção criminosa iniciou-se.
No primeiro caso, a pessoa assumiu a guarda, posse ou gestão dos bens com a intenção, desde o começo, de cometer uma fraude para obter vantagens pessoais. Para isso, ela abusa da confiança alheia, ardilosamente, como um meio de chegar a ter uma vantagem ilícita. Exemplos de estelionato estão diariamente na mídia, como o caso recente de uma rede de farmácias investigada por dar “golpes” em idosos.
No entanto, se a pessoa começa sua atividade de cuidar, gerir ou guardar os bens alheios de forma legítima e, no meio do caminho, se desvirtua e passa à apropriação, o crime é de apropriação indébita.
A pena do estelionato é um pouco maior que a da apropriação indébita, de um a cinco anos de reclusão e multa. A maioria dos casos de estelionato, em razão da Lei 13.964/2019, é de ação pública condicionada à representação da vítima para que o MP esteja autorizado a seguir com o processo.
Exemplos de apropriação indébita
Para facilitar a compreensão do crime de apropriação indébita, na prática, vamos a alguns exemplos de quando ele restou configurado:
- Apropriar-se de um valor recebido indevidamente em sua conta por Pix é apropriação indébita de coisa recebida por erro. Uma empresária de MG devolveu um Pix de 30 mil reais que recebeu em sua conta, mesmo tendo sido orientada incorretamente na delegacia de que não seria crime;
- No Paraná, um empregado foi condenado por apropriação indébita de um veículo do empregador. O homem foi condenado à pena de 1 ano e 8 meses de reclusão e ao pagamento de 18 dias-multa, porque, ao final de seu contrato de trabalho, não devolveu a caminhonete da empresa;
- Um homem do Paraná se apropriou de uma folha de cheque de seu amigo e foi condenado à pena de dois anos de reclusão e 16 dias-multa pelo crime de apropriação indébita. Ele recebeu o cheque para usar na intermediação de um empréstimo, mas acabou se apropriando do título e usou o dinheiro em benefício próprio;
- No Rio de Janeiro, uma colega de trabalho se apropriou da “vaquinha” feita pelos funcionários, que seria dividida no final do ano. Ela foi condenada à reclusão de um ano, dois meses e doze dias, bem como trinta dias-multa;
- Um advogado do RS foi condenado por apropriação indébita majorada em razão da profissão, por ter se apoderado de dinheiro de seu cliente. O réu se apropriou de R$ 19.523,09, recebidos em razão de uma condenação do INSS ao pagamento de verba retroativa à vítima.
Como provar que houve apropriação indébita?
Para comprovar que ocorreu uma apropriação indébita, conforme a legislação vigente no Brasil, é necessário apresentar provas que indiquem claramente o ato de apoderamento de um bem móvel alheio, sem a autorização do proprietário. Bem como, a atuação do infrator como se fosse o detentor legítimo do bem.
Portanto, a comprovação da apropriação indébita envolve a apresentação sólida e coerente desses elementos probatórios conforme os dispositivos legais. As provas a serem consideradas podem ser:
- Documentação: qualquer documento que evidencie a relação entre o proprietário e o acusado, como contratos, notas fiscais, comprovantes de compra e venda, registros de empréstimo, entre outros;
- Testemunhos: depoimentos de pessoas que tenham presenciado a ação do infrator ou que possam atestar a confiança ou o empréstimo que originou a posse do bem;
- Comunicações: mensagens de texto, e-mails, correspondências ou qualquer forma de comunicação que demonstre a intenção do infrator de apoderar-se indevidamente do bem;
- Registro de transações: registros bancários, extratos financeiros ou quaisquer outras transações que indiquem o movimento do bem em questão;
- Uso e posse: indícios que demonstrem o uso contínuo e a posse do bem pelo infrator após o término do período de confiança ou empréstimo;
- Perícia: avaliações técnicas ou perícias que comprovem a vinculação do bem ao proprietário e a sua subsequente posse pelo acusado;
- Circunstâncias: elementos que contextualizem a situação, como registros de conversas, câmeras de segurança, comprovantes de acesso a locais onde o bem se encontrava, entre outros.
Como prevenir apropriação indébita na empresa?
Casos de crimes patrimoniais em empresas são comuns, especialmente em cargos de confiança ou gestão. Podem acontecer também quando os bens da organização são entregues ao funcionário para exercer suas atividades.
Algumas estratégias de mitigação de riscos podem ser adotadas nesses casos, tais como:
- Fazer o onboarding e o background check nos processos de recrutamento e seleção, para avaliar o histórico dos candidatos e fazer a verificação de identidade;
- Ao entregar bens da empresa em comodato, solicitar assinatura de termo de responsabilidade, com todas as regras inerentes ao uso do bem, bem como a data de devolução e/ou vistoria do bem para renovação do compromisso;
- Monitorar relacionamentos em que há recebíveis, como nos contratos terceirizados de advogados para prestação de serviços jurídicos;
- Conferir a retenção e o recolhimento de tributos, especialmente previdenciários, para evitar a ocorrência de apropriação indébita previdenciária;
- Realizar monitoramento das transações financeiras da empresa, para detectar operações suspeitas, inconsistências no caixa e outros eventos que indiquem a possibilidade de apropriação indébita de valores na gestão financeira.
A apropriação indébita é um crime patrimonial que ocorre em relações de confiança no cotidiano. Por isso mesmo, sua configuração nas empresas é recorrente. Sendo assim, adotar boas práticas de compliance é fundamental para a mitigação de riscos patrimoniais causados por ação de terceiros.
Leia também: Compliance: o que é, quais os tipos e como aplicá-lo na sua empresa?
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Bárbara Guido é mineira, advogada pela UFJF e estudante de Jornalismo na UFOP. Apaixonada por comunicação, atua como analista de governança corporativa e redatora de conteúdo jurídico e técnico para sites e blogs.